O Homem De Barbarossa

A Glasnot de Gorbachev não foi implantada sem traumas – o mais lembrado é a tentativa de golpe contra o ex-dirigente russo, empreendido por forças conservadoras do regime em Agosto de 1991. Havia um forte sentimento de desaprovação quanto à abertura da União Soviética, processo iniciado em 1988 – e isto deu margem à trama de “O Homem De Barbarossa”, décimo volume da série de Gardner.

Trata-se de um romance ao estilo de “Sem Acordos, Mr. Bond” – mais focado na espionagem real. É, também, um trabalho ambíguo, como todos os livros do autor que seguem essa linha. A caracterização de personagens é complexa e o enredo, menos previsível – mas o conteúdo de entretenimento é praticamente nulo, especialmente, em uma apreciação retrospectiva: o tempo neutralizou o senso de perigo da história (que, baseada em fatos “prementes” de 1991, tornou-se datada no presente).

O inimigo enfrentado por Bond – e por agentes israelenses, franceses e soviéticos (pois a missão é uma “coalisão” semelhante à que combateu Von Glöda em “Missão no Gelo”) – é a “balança da justiça”, um movimento que reúne potentados soviéticos contrários às reformas na União Soviética. A organização dissidente capturou um suposto ex-nazista, Joseph Voronstov, que seria responsável pelo massacre de judeus russos ocorrido em Babi-yar, na 2ª Guerra, e pretende interrogar e executar o réu em rede aberta de TV – um modo de mostrar à União Soviética que a oposição não é mole como a nova diretriz, que nunca aplicaria a pena capital no prisioneiro. Todo o esquema, portanto, é um chamariz para convencer os russos a optarem pelo antigo regime, e oposição à Glasnot e ao relacionamento com o Ocidente. Os soviéticos que estão no poder têm grande interesse em desarticular a Balança Da Justiça – portanto Bond, é destacado para trabalhar com seus antigos oponentes sob o comando do espião soviético Bory Stepakov.

Este infiltra 007 e seus companheiros no grupo que prepara a execução de Voronstov. O julgamento é presidido pelo vilão da trama, o militar radical General Yevgeny Yuskovich, que tem razões de sobra para odiar Gorbachev. Nas palavras do próprio “M”: “Yuskovich é um homem com uma fé; servia a um regime no qual acreditava, piamente.” O Mau, portanto, tem motivações reais – não é um megalomaníaco ou oportunista que lucra com o jogo da política internacional. Porém, seus métodos são tão brutais quanto os de qualquer lunático de Fleming: Yuskovich planeja suprir o Iraque de mísseis atômicos (o que dará o país uma chance de vencer as tropas de coalisão anglo-americanas, na Guerra do Golfo) e almeja destruir Washington com uma bomba nuclear, minando o Capitalismo na fonte.

Como se salientou em várias resenhas sobre a obra, “O Homem De Barbarossa” é fortemente influenciado pela literatura de John Grisham (autor de populares romances jurídicos, como “O Dossiê Pelicano”, “O Cliente” e “O Último Jurado). As maquinações da Balança da Justiça para levar adiante o julgamento de Voronstov ocupam boa parte da novela e o conteúdo de ação é irrelevante. A aventura ganha ritmo perto do fim, quando Bond é desmascarado e simula a própria “morte”, em um tiroteio no esconderijo de Yuskovich (o que deixa “M”, Tanner e o alto escação do Serviço Secreto de luto!). Mas a conclusão chega de forma apressada – e antes que Gardner crie um autêntico clima de suspense para seu grand finale.

A essa altura, a série de Gardner apresentara todas as suas virtudes e defeitos – nenhum livro publicado após “O Homem De Barbarossa” surpreendeu em termos de narrativa ou estilo. Aqui e em quase todos os enredos posteriores a “Missão no Gelo” (em que se definiu o tom dos Bonds escritos por este autor), as narrativas contam com personagens mais tridimencionais e cenários mais críveis que os dos livros originais; mas este precedente é, também, um pretexto para não ousar – os planos dos Maus são esquálidos, destruídos de originalidade. Bomba sobre Washington, vendas de armas para inimigos dos Estados Unidos e planos para eliminar presidentes e primeiras-ministras são o tipo de material que Hollywood exporta, há décadas, em seus filmes de baixo orçamento. Apesar de potencialmente assustadores, esses atentados não têm o escopo das conspirações flemingianas.

Também detona-se uma insistência em cercar Bond de agentes-duplos e traidores – um artifício funcional em “Missão no Gelo” e “Sem Acordos, Mr. Bond”, mas que se tornara repetitivo por ocasião de “O Homem De Barbarossa” (há ainda mais traidores “A Morte É Eterna” e “Filhos Do Apocalipse”). A série, no início dos anos 1990, entrava em processo de declínio.

“Sexo, Glamour & Balas” de Eduardo Torelli.

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